Fiador, espécie em extinção

Contratos de aluguel com a garantia tradicional caíram à metade

Figura até então considerada imprescindível num contrato de locação, o fiador caminha para a extinção. Na Apsa, uma das maiores imobiliárias da cidade, a presença desse tipo de garantia nos contratos assinados este ano caiu pela metade. De 62%, em janeiro, para 30%, em setembro. Uma mudança de comportamento também registrada em outras empresas, como Protel e Cipa, que tiveram quedas na ordem de 40% no número de contratos firmados com fiador em 2010.

As novas normas da Lei do Inquilinato, em vigor desde janeiro, estariam contribuindo - e muito - para a mudança na tradicional forma de se fechar um contrato no setor. Para Jacques Bushatsky, diretor de Legislação do Inquilinato do Secovi-SP, a nova legislação assustou proprietários:

- Costumo dizer que, antes das alterações feitas na lei, a locação era um casamento indissolúvel. Com as mudanças, criou-se o divórcio. Ou seja, o fiador agora tem o direito de se exonerar de suas obrigações ao fim dos 30 meses de contrato. E pode fazer o mesmo em caso de separação do casal que mora no imóvel, em vez de ficar "preso" ao cônjuge que ficou na casa.

Em ambos os casos, lembra Bushatsky, o fiador permanecerá responsável pela fiança por 120 dias após a comunicação de desligamento do contrato.

As mudanças na lei também fizeram com que alguns proprietários, por desconhecimento, desistissem do fiador por achar que, com o término do contrato, ele estaria automaticamente livre de suas obrigações. Foi o que acabou acontecendo com a funcionária pública Maria Inês Nóbrega:

- No fim das contas, acabou sendo bom, pois fiz um seguro-fiança e livrei um amigo do encargo de ser fiador.

Com o fiador na berlinda, outras garantias passaram a figurar numa fatia cada vez maior de contratos. É o caso do seguro-fiança e, mais timidamente, do título de capitalização. Ainda que pesem mais no orçamento, elas evitam constrangimentos e embates judiciais: hoje, o período entre a decisão favorável a uma ação de despejo e o recebimento dos aluguéis atrasados pode levar um ano. Um prazo longo demais para proprietários que vivem de locação ou dependem dela para complementar a renda.

Custo alto ainda é um empecilho

- Há cada vez menos gente disposta a ser fiador pois, em caso de inadimplência, ele é o real pagador. É quem vai pagar a conta, enquanto o inquilino será processado e despejado. E, muitas vezes, ele é pego de surpresa, o que gera uma série de conflitos. Há inclusive empresas que, para os cargos mais altos, exigem, via contrato, que seus funcionários não sejam fiadores - diz Jean Carvalho, gerente de imóveis da Apsa.

Hoje, destaca Carvalho, um dos empecilhos à aceleração do ritmo de crescimento do seguro-fiança ainda é seu custo. Em média, o valor pago é o referente a um aluguel e meio, mais taxas, o que onera de 10% a 12% a despesa mensal com o imóvel.

- Esse fator está ligado ao desconhecimento dos proprietários de imóveis. Mas a tendência é que o preço caia, pois quanto maior for o volume de adesões, menor será o valor a ser pago - explica.

Outro fator que contribuiu para a escassez de fiador é a exigência, por parte de algumas imobiliárias, de que o fiador tenha ao menos dois imóveis. Como a Constituição prevê direito à moradia a todos os cidadãos, muitos juízes têm entendido que um imóvel habitado pelo fiador não pode ser penhorado. Na prática, o proprietário do imóvel "perderia" sua garantia principal.

Figura do fiador ainda é presente por questão cultural do brasileiro

Depósito cai em desuso e fica restrito a situações específicas

Segundo o vice-presidente da Associação Brasileira de Administradoras de Imóveis (Abadi), Pedro Carsalade, o fiador ainda é uma figura muito presente nos contratos de locação por uma questão cultural do brasileiro, o que não acontece, por exemplo, na Europa e nos Estados Unidos:

- As pessoas enxergam o fiador como uma garantia sólida, que transmite uma maior sensação de segurança. Essa é uma característica tão forte em nossa sociedade que, na ausência de um amigo ou parente que possa exercer esse papel, há quem recorra ao "serviço" de fiador profissional. O que é um absurdo.

Nesse tipo de negócio - que é informal - são fornecidos os documentos necessários (comprovante de renda, escritura do imóvel e documentos pessoais do fiador) para fechar um contrato de aluguel, em troca do pagamento de uma taxa que pode chegar ao valor de um aluguel. Na prática, ele dá margem a situações ilegais como, por exemplo, o uso do mesmo imóvel em diversos contratos e de documentos falsificados, já que o inquilino não tem como verificar a sua autenticidade.

Seguindo a mesma tendência do fiador, outra garantia que vem desaparecendo é o depósito. Na modalidade, o inquilino deposita, numa conta conjunta com o proprietário do imóvel, o valor equivalente a três meses de aluguel.

- A explicação é simples. Quando é preciso recorrer à Justiça para receber aluguéis atrasados, a espera pode chegar a um ano. Sendo assim, receber três meses de aluguel é muito pouco para os proprietários. Até porque, no Rio e em São Paulo, a maioria deles precisa do aluguel para sobreviver - afirma Jaques Bushatsky, diretor de Legislação do Inquilinato do Secovi-SP.

Com mudanças na lei, há quem dispense garantias

Segundo Amauri Rosa Soares, gerente de locações da imobiliária Cipa, o depósito passou a ser usado só em situações bastante específicas.

- É o caso dos imóveis difíceis de alugar, como os localizados em áreas de risco. E ainda dos que são alugados para parentes ou amigos próximos do proprietário - diz.

Na contramão do depósito e do fiador, o título de capitalização ganha, aos poucos, um lugar ao sol nas imobiliárias, ainda que bem atrás do seguro-fiança. Na Apsa, por exemplo, ele está presente em 8% dos contratos assinados este ano.

A quantia a ser paga, de uma única vez, é determinada por um acordo entre as partes (proprietário e inquilino). Se a fiança não for utilizada, o título devolve 100% do valor despendido após o fim do prazo de capitalização, que é de 30 meses, ou de acordo com o período que consta do contrato de locação. Os inquilinos ainda concorrem a prêmios.

- Como investimento, não é uma boa opção, pois o dinheiro é corrigido a juros baixíssimos - diz Jean Carvalho, gerente geral de imóveis da Apsa.

Há ainda, segundo o gerente de locações da imobiliária Protel, Leandro Claro, proprietários que fecham contrato sem qualquer tipo de fiança. A motivação maior, diz, é a nova Lei do Inquilinato, que prevê o despejo sumário do locatário inadimplente em casos de contrato que dispensem garantias:

- Ainda é um grupo pequeno, mas que tende a crescer a partir do momento que a Justiça se mostre ágil.


Fonte O Globo - Morar Bem, 14//11/2010